Bordetella é um gênero de bactérias patogênicas, responsáveis por várias formas de tosse convulsa, capaz de entrar no organismo da pessoa através do contato com a saliva do doente.
CLASSIFICAÇÃO CIENTÍFICA
Reino: Bactéria (Monera)
Filo: Proteobacteria
Classe: Betaproteobacteria
Ordem: Burkholderiales
Família: Alcaligenaceae
Gênero: Bordetella
Espécies: B. ansorpii
B. avium
B. bronchiseptica
B. hinzii
B. holmesii
B. parapertussis
B. pertussis
B. petrii
B. trematum
CARACTERÍSTICAS GERAIS
• São cocobacilos gram-negativos;
• São muito pequenos apresentando dimensões (0.2 - 0.7 µm)
• Aeróbios estritos;
• Não fermentadores;
• São imóveis;
TRANSMISSÃO
A Bordetella é transmitida basicamente pelo contato direto de pessoa doente com pessoa susceptível, através de gotículas de secreção da orofaringe, eliminadas por tosse, espirro ou ao falar. Através da via respiratória, da manipulação de aerossóis e por objetos recentemente contaminados com secreções do doente, porém é pouco freqüente, pela dificuldade do agente sobreviver fora do hospedeiro. A espécie mais patogenia ao ser humano é a Bordetella pertussis.
PATOGENIA
A Bordetella pertussis adere às células epiteliais ciliadas das vias respiratórias e quando presente no organismo se desintegra e libera uma endotoxina, que irrita as células superficiais dando origem a sintomas catarrais (com linfocitose), multiplicando-se, sem invadir os tecidos. Com tudo, essa colonização resulta em alterações profundas nos tecidos, que persiste muito tempo apos a eliminação da bactéria responsável. Essas observações sugerem que a toxina da bactéria é importante na patogenia da síndrome. Foram demonstradas diversas atividades biológicas por meio da injeção de produtos da B. Pertussis em animais de laboratório. Entre esses fatores bacterianos, foram identificada uma endotoxina e uma toxina termolábil, que pode causar necrose tecidual; entretanto, a exotoxina toxina pertussis (TP) é a mais cotada no momento como importante fator de virulência. A imunização com TP quimicamente detoxificada parece impedir a coqueluche grave, acreditando que a TP seja responsável pela linfocitose característica da coqueluche.
A ATP é uma proteína composta de cinco subunidades ligadas de forma não-co-valente (S1-S5). As subunidades S2-S5 formam uma unidade não-tóxica que se liga à membrana celular; a toxidade é mediada pela subunidade enzimaticamente ativa S1. A atividade da S1 inibe uma subclasse de proteínas de ligação da guanosina trifosfato (GTP) (proteínas G), essencial a sinalização transmembrana e, portanto, para certos tipos de funções mediadas por receptores.
A aderência da B. Pertussis ao epitélio respiratório é necessária à patogenia da coqueluche. A aderência parece envolver uma proteína da membrana externa da bactéria com peso molecular de 69kd, denominada pertactina. Existe uma proteína antigenicamente semelhante a B. Pertussis e B. Bronchiseptica. A injeção dessa proteína em camundongos ou em seres humanos induz a produção de anticorpos (Ac) aglutinantes contra a B. Pertussis. A síntese da pertactina é controlada por um gene regulador no locus vir (virulência), que modula a síntese da TP e de fatores adicionais que podem contribuir para patogenia, como a hemaglutinina filamentosa. A pneumonia bacteriana é devido à presença de invasores secundários. Seu período de incubação é em torno de 7 a 10 dias, causando a coqueluche.
Coqueluche
Doença infecciosa aguda, transmissível, de distribuição universal. Compromete especificamente o aparelho respiratório (traquéia e brônquios) e se caracteriza por paroxismos de tosse seca. Ocorre sob as formas endêmicas e epidêmicas. Em lactentes, pode resultar em número elevado de complicações e até em morte. A coqueluche apresenta três fases distintas.
1) Fase catarral:
Tosse moderada, espirros (eliminação de germes), rinorréia, mal-estar, febre baixa, espirros, anorexia, onde o paciente apresenta-se mais contagiante que doente. Esta fase dura em torno de 1 a 2 semanas.
2) Fase espasmódica: ( Paroxística)
Tosse repetitiva com sibilos (exaustão, vômitos, cianose, convulsões. “guincho característico na inspiração), onde a contagem de glóbulos brancos está aumentada com linfocitose (20.000 a 50.000). Apresenta convalescença demorada. Esta fase dura em torno de 2 a 4 semanas.
3) Fase de convalescença:
Os sintomas diminuem gradativamente. Os paroxismos se tornam mais espaçados, dando lugar a episódios de tosse comum. A associação com outras infecções respiratórias é comum neste período, que dura de duas a seis semanas e, em alguns casos, até três meses. Esta fase dura em torno de 3 a 4 semanas.
Os lactentes com menos de seis meses de idade freqüentemente não apresentam os paroxismos nem o chiado; as principais manifestações podem consistir em crises de sufocação e episódios de apnéia. As segundas crises de coqueluche, bem como a doença que acomete os indivíduos previamente imunizados manifestam-se, com freqüência, como doença das vias aéreas superiores ou bronquite.
COMPLICAÇÕES
• Respiratórias: pneumonia intersticial. Broncopneumonia, atelectasia, enfisema pulmonar, bronquite espástica, otite média aguda, ativação de formas latentes de tuberculose. As complicações mais severas e que freqüentimente levam a óbito são respiratórias.
• Neurológicas: meningoencefalite, convulções, sonolência, paralisias, degeneração cortical. As complicações do sistema nervoso central são relativamente raras, porém quase sempre fatais, principalmente em crianças menores.
• Hemorrágicas: epistaxe, petéquias difusas e hemorragia subconjuntival, subdural e subaracnóidea.
• Secundárias ao aumento de pressão intra-abdominal e intratorácica: hérnia umbilical e inguinal, prolapso de reto, enfisema de mediastino e subcutâneo, pneumotórax.
• Digestiva: perda de peso, desnutrição protéica – com perda calórica, distúrbios hidroeletrolíticos e erosão de freio lingual.
FATORES DE VIRULÊNCIA
Adesinas FHA
Proteínas existentes na membrana ou excretadas, sempre associadas à superfície da parede bacteriana que permitem a aderência da bactéria às células. As Adesinas FHA é uma hemaglutinina filamentosa de peso molecular elevado 220 kDa, homóloga a outras adesinas não fimbriais encontradas em outras estirpes bacterianas sendo capaz de reconhecer vários receptores na célula eucariota. As células alvo destas proteínas são as células ciliadas e os macrófagos. A interação entre estas proteínas e a célula é complexa e envolve ligações proteína-carbohidrato e proteína-proteína. Atua fixando-se aos receptores das células ciliadas e ao CR3 dos leucócitos PMNs e inicia a fagocitose. Apresenta sobrevivência intracelular protege a bactéria dos anticorpos, permitindo um estado de portador persistente.
Toxina pertussis (Ptx)
Também denominada pertussígeno, promovedora de linfocitose, proteína ativadora das ilhotas para a produção de insulina e fator de sensibilizador de histamina. Ptx é uma exotoxina com seis subunidades (chamado de S1 a S5, cada complexo contém duas cópias de S4) de ligação, sendo um tipo de proteínas produzidas pela bactéria Bordetella pertussis.
As subunidades estão dispostas em uma estrutura de AB, o componente A é enzimaticamente ativa e é composto da subunidade S1 possuindo atividade da enzima ADP-ribosil transferase, enquanto que o componente B é a ligação dos receptores existentes na célula alvo, para o interior das quais é endocitada, é composto de subunidades S2-S5.
A subunidade S1 possui atividade ribosilante para a ptn G da célula hospedeira, causando a desregulação da adenilato ciclase e AMPc, levando a um aumento das secreções respiratórias e produção de muco. As subunidades são codificadas por genes em uma ampla ptx codoficados que também inclui genes adicionais de proteína codificadas. Junto com estas proteínas formam um complexo de secreção Ptx.
A subunidade S3 se fixa aos gangliosídeos da superfície das células fagocíticas. Ptx é liberado da B. coqueluche em uma forma inativa. Quando a subunidade B liga-se à membrana da célula, a subunidade (ou protomer) é ativada, talvez através da ação da glutationa e de ATP.
Ptx catalisa a ribosylation ADP da subunidade α da proteína Gs de Gi heterotrimerica e Gt. Isso evita que o G do receptor acoplado à proteína interage com a membrana celular, interferindo com a comunicação intracelular. Desde subunidade Gα permanece em seu estado inativo, ligado ao PIB, não são capazes de inibir a adenilato ciclase, mantendo altos níveis de adenilil ciclase e cAMP. A Toxina pertussis está envolvida na colonização do trato respiratório e ao estabelecimento da infecção.
Toxina adenilato ciclase/hemolisina
Aumenta o nível intracelular de adenilato ciclase e de AMPc e inibe a destruição fagocítica e a migração dos monócitos.
Pili e Pertactina (proteína P69)
É um aglutinogênio não-fimbrial. Muito imunogênica, também participa no mecanismo de aderência da bactéria às células respiratórias humanas. Fixam-se às células de mamíferos
Toxina dermonecrótica
Termolábil, inativada a 56ºC. Localizada intracelularmente, causa lesão de pele se injetada por via intradérmica: é imunógeno fraco, sem patogênese ainda conhecida para a coqueluche. As lesões cutâneas são dose-dependente ou reações fatais em modelo animal, sendo provavelmente o responsável pela destruição tecidual localizada.
Citotoxina traqueal
Molécula muito pequena da parede celular, não-imunogênica, sendo um fragmento de peptideoglicano que em menor concentração provoca ciliostase (inibição dos movimentos ciliares) e em alta concentração destrói as células respiratórias ciliadas e estimula a liberação de IL-1 (febre) e óxido nítrico.
LPS
As moléculas de lipopolissacárides (LPS) podem apresentar-se na forma clássica já descrita para outras bactérias (lipídio A) ou também com uma porção lipídica diferente (lipídio X); ambas têm as mesmas atividades, ou seja, ativam a via alternativa do complemento e estimulam a liberação de citocinas. No entanto, não desempenham um papel definido na patogênese da doença. É possível que contribuam para o aparecimento dos eventos adversos da vacina contra coqueluche.
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
Há pouca dificuldade no estabelecimento do diagnóstico clínico de coqueluche num paciente que, depois de um período de coriza, desenvolve tosse paroxística com chiado inspiratório terminal. Com freqüência, ocorre linfocitose no final do estágio catarral ou no início da fase espasmódica. Tipicamente, a contagem dos leucócitos varia de 15.000 a 30.000/ul ou mais, e 80% das células consistem em pequenos linfócitos. A leucocitose PMN sugere uma complicação bacteriana secundária.
Pode ser necessária a identificação microbiológica dos microrganismos, para estabelecer o diagnóstico nos casos leves ou abortivos, bem como em lactentes pequenos ou adultos. Durante os estágios iniciais, B. pertussis pode ser isolada em cerca de 90% dos pacientes. Em torno da terceira ou da quarta semana, o microrganismo pode ser isolado apenas em 50% dos casos, e, no estágio de convalescença, é incomum obter uma cultura positiva.
A melhor maneira de obter amostra para cultura consiste em utilizar um swab nasal em lugar do método de placa para tosse. Um chumaço de algodão esterilizado em torno de uma haste de cobre flexível é introduzido através das narinas. A B. pertussis é rapidamente destruída por dessecação, de modo que a amostra deve transportada através do meio de transporte Regan-Lowe (RL) e ser logo semeada em meio de cultura fresco ao qual deve ser adicionado um antibiótico, para evitar o crescimento excessivo de microorganismos adventícios. Para o primeiro isolamento há necessidade de meios complexos e enriquecidos de cultura realizada com meio de isolamento primário Bordet-Gengou (Agar batata-sangue-glicerol). A cultura é um método específico, mas não é sensível (50% dos casos não há crescimento).
Embora não prontamente disponíveis, os testes de amplificação do ácido nucléico (PCR), técnica de reação em cadeia de polimerase, de amostras nasofaríngeas são os mais sensíveis e específicos e identificação por Técnica de DFA, teste direto para anticorpos fluorescentes em secreção nasofaríngea. O diagnóstico é raramente feito atualmente, pois as crianças são vacinadas.
TRATAMENTO
Terapia de suporte
Os lactentes pequenos sobre tudo aqueles com menos de seis meses, devem ser internados. As medidas de suporte, combinada com uma assistência de enfermagem. São de suma importância. Deve-se dispensar uma atenção especial a manutenção do equilíbrio hidroeletrolítico, nutrição adequada e oxigenação suficiente. É indispensável manter uma vigilância adequada constante quanto às complicações infecciosas secundárias, como pneumonia. Os casos leves só exigem tratamento de suporte.
Agentes Antimicrobianos
A terapia específica da coqueluche grave tem sido decepcionante apesar da suscetibilidade in vitro da B. perturssis a vários agentes antimicrobianos. Os antimicrobianos administrados durante o estágio catarral podem produzir melhora. No estágio paroxístico estabelecido, os microrganismos podem ser rapidamente eliminados pelos agentes antimicrobianos, porém a evolução da doença permanece inalterada. Os antibióticos podem-se justificar para tornar o paciente não-infectante. A eritromicina é o fármaco de escolha. A dose diária é de 40 a 50mg/kg, administrados em quatro doses. O microrganismo é eliminado após alguns dias de terapia; entretanto, devido à possível ocorrência da recidiva bacteriológica, o tratamento deve ser continuo durante 14 dias. O complexo trimetoprina/sulfametoxazol (8 mg/kg e 40 mg/kg/dia em duas doses) é uma alternativa possível para os pacientes que não toleram a eritromicina.
Corticosteróides
O corticosteróide altera a severidade e a duração da coqueluche, mesmo se iniciado na fase paroxística. Estudos controlados com betametasona na dose de 0,075mg/kg/24 horas, VO, e com hidrocortisona na dose de 30mg/kg/24 horas, IM,por dois dias,com redução gradual até o sexto e oitavo dias, mostram redução substancial do número, severidade e duração dos paroxismos.
Anticonvulsivantes
Os pacientes que apresentam convulsões devem receber um diazepínico lentamente, na veia, durante a crise. Se persistir o quadro convulsivo, manter com fenobarbital, na dose de 0,5 a 2,0mg/kg/dose, a cada quatro a seis horas. Além de oxigenação e outras medidas já citadas para atenuar a hipoxia. Além disso, o fenobarbital tem sido utilizado na sedação do paciente. Numa tentativa bem-sucedida de diminuir os acessos paroxísticos em número e intensidade.
PREVENÇÃO
Coqueluche é altamente contagiosa em uma população susceptível e as infecções não diagnosticadas em membros de uma família de um paciente sintomático podem manter a doença na comunidade. Os indivíduos suscetíveis expostos devem receber profilaxia com eritromicina durante 14 dias, e os contactantes próximos (casa, creche, sala de aula) com menos de sete anos de idade, que foram previamente imunizados, devem receber uma dose de reforço da vacina, além da eritromicina. As doses vacínicas de reforço ou a quimioprofilaxia com eritromicina têm sido utilizadas para proteger os adultos, como os membros da equipe hospitalar.
Imunização
A medida de controle da Coqueluche, de interesse prático em saúde pública, é a vacinação dos suscetíveis na rotina da rede básica de saúde. A vacina é administrada em crianças e apresenta associação com toxóides da difteria, tétano e pertussis Tríplice DTP (Tetra-Hib; Tetravalente). A vacina com células integrais contra a coqueluche consiste na B. pertussis inativa em suspensão com toxóides diftérico e tetânico precipitados em alume (DTP). As vacinas acelulares contra a coqueluche (DtaP) mais novas contêm várias combinações dos produtos da B. pertussis- toxina pertussis, pertactina, hemaglutinina filamentosa e Ag das fímbrias. Nos Estados Unidos, prefere-se o uso da DtaP para todas as doses devido á menor probabilidae de febre decorrente da vacina e de reações locais.
Após a injeção da vacina com células integrais contra a coqueluche, são comuns as reações no local de injeção, bem como lebre e hiperirritabilidade. A incidência de encefalopatia aguda após a vacina é incerta, porém aparentemente rara, e não se sabe ao certo se a administração da vacina DTP aumenta o risco global de disfunção crônica do sistema nervoso em crianças. É evidente que o risco de complicações neurológicas em decorrência da imunização contra a coqueluche é muito menor do que os perigos da doença na criança pequena. Todavia, em lactentes com história pessoal de crises convulsivas ou outros distúrbios neurológicos, a imunização com vacina contra coqueluche deve ser protelada, até obter uma estabilização da condição.
Contra-indicações às vacinas
Com a constatação de que a fração pertussis da vacina DTP não é responsável pelas lesões do sistema nervoso central, as quais podem ocorrer na fase inicial da vida, bem poucas situações contra-indicam hoje a vacinação. Na verdade, apenas duas restaram:
• Reação anafilática;
• Encefalopatia dentro de sete dias após a vacinação.
As antigas contra-indicações, listadas a seguir, agora são consideradas como precauções:
• Febre > = 40,5C;
• Episódio hipotônico-hiporresponsivo;
• Choro persistente e inconsolável (todos dentro de 48 horas após a vacinação).
Crianças que apresentam esses quadros precisam ser avaliadas quanto ao risco-benefício de outras doses. Essas considerações valem para qualquer tipo de vacina contra coqueluche.
Nos casos isolados e surtos deve-se proceder a vacinação seletiva da população susceptível, visando aumentar a cobertura vacinal na área de ocorrência dos casos.
Referencial teórico
1) Gilchrist, M.J.R.1991.Bordetella, p.471-477. In A Balows, W.J. Hausler,Jr., K.L.Hermann, H.D. Isenberg, and H.J.Shadomy (ed.), Manual of clinical Microbiology, 5 th ed. American Society for Microbilogy, Washington, D.C.
2) Hoppe, J.E.; 1999. Bordetella, p.614-624. In P.R.Murray; E.J.Baron; M.A. Pfaller; F.C. Tenover; R.H. Yolken (ed.), Manual of Clinical Microbiology, 7 th ed. American Society for Microbiology, Washington, D.C.
3) Regan, J. & Lowe, F. Enrichment medium for the isolation Bordetella. J.Clin.Microbiol.,6: 303-309.
4) Tatti, K.M.; Wu, K.H.; Tondella, M.L.; Cassiday, P.K.; Cortese, M.M.; Wilkins, P.P. and Sanden, G.N. Development and evaluation of dual-target real-time polymerase chain reaction assays to detect Bordetella spp. Diagn Microbiol Infect Dis. 61:264-72. 2008.